quarta-feira, 30 de março de 2011

águas cheiram nas pitangas
que concentram
diáfanos relâmpagos
quando torcemos
a chuva na camisa.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

encontrei teus olhos no muro
tive de arrancá-los de lá
com a fúria de um tigre
as mãos não fracassaram
e de tuas órbitas vazias
de imediato
nasceram outros olhos
mas de medusa
hoje sou o desenho cego
que você foi enxergando
quando me petrificou

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

saque a caneta
vale a pena vale o poema
vale a vida de um poeta que se foi
vale esse presente que se esvai
vale os pés vale a força
o susto o soco o choro
os papéis rasgados
arremessados pela ânsia
de alcançar com o inútil
o inusitado

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

nessa outra esfera

ele lia um livro de poesia sem poesia
era ali que sua imaginação criava perna
começou subindo escadas de oxigênio
sangrou a testa ao tentar atravessar paredes
e nelas
grafou idiomas que se comunicam com insetos
ele gosta de ver sua imagem distorcida na colher
o amor marca brasa na sua pele.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

como tudo nunca houvera
acontecido
de manchar esta camisa
com a tinta da primavera
a próxima vez
que quiser ler meu pensamento
vai ver uma coisa
letras soltas páginas rasgadas
capítulos sem fim
vírgulas loucas
surpresas e suspiros
tigres de papel
caras de nanquim

só mais uma coisa
já que você vai mesmo ver alguma
que tal olhar pro céu
em vez de olhar pra mim?

Paulo Leminski

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O SEU SANTO NOME

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatros ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 8 de janeiro de 2011

O Espelho de Água

Vicente Huidobro
Tradução de Anderson Braga Horta

Meu espelho, correndo pelas noites,
Torna-se arroio e foge do meu quarto

Teu espelho mais profundo que o orbe
Onde todos os cisnes se afogaram

É um tanque verde na parede, e nele
Dorme tua desnudez ancorada

E suas ondas sob uns céus sonâmbulos,
Os meus sonhos se afastam como barcos

De pé na polpa sempre me vereis cantando.
Uma rosa secreta intumesce em meu peito
E um rouxinol ébrio esvoaça em meu dedo.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Exu Comeu Tarubá

O ar estava duro, gordo, oleoso:

a negra dentro da madorna;

e dentro da madorna - bruxas desenterradas.

No chão uma urupema com os cabelos da moça.

Foi então que Exu comeu tarubá

e meteu a figa na mixira de peixe-boi.

Aí na distância sem fim, moças foram roubadas,

e sóror Adelaide veio viajando de rede,

era alva ficou negra, era santa ficou lesa:

caiu na madorna, o ar duro, gordo, oleoso.

Exu começou a babar a mixira de peixe-boi,

o professor tirou o pincenê: estava traído pelo donatário,

sem barregãs, sem ginetes, sem escravos.

Aí na distância sem-fim, viajando de rede

D.Diogo de Holanda veio parar na madorna,

o ar duro, gordo, oleoso.

Exu começou a lamber a mixira de peixe-boi:

Isabel Lopo de Sampaio desvirginou o moleque,

Jogou-se no rio, virou ingazeira, pariu três macacos.

Viajando de rede vieram três macacos parar na madorna,

o ar duro, gordo, oleoso.

Eis aí três cirurgiões cosendo retrós,

a bela adormecida no século vindouro

que esquecerá por certo a magia

contra tudo que não for loucura

ou poesia.


POEMA DE JORGE DE LIMA

domingo, 2 de janeiro de 2011

2 ANOS SEM A PRESENÇA FÍSICA DO POETA RAFAEL DOURADO.
ESTA POESIA ABAIXO É UMA DAS ÚLTIMAS QUE ELE NOS DEIXOU:



O SAPATO PRETO

Ao entrar no quarto
tudo mais parecia um coração confuso
a bagunça era todo o mundo

sentei com cuidado
no regaço de uma poltrona que dormia

pois de lá, não muito longe eu via,
a dizer calmo seu silêncio triste,
seu luto,
um sapato preto perdido de seu par

por ali ouvia-se um cantar de absoluta viuvez

enquanto isso, o tempo punha poeira
por sobre seu antigo brilho
- como se fosse rugas